A menos de dois meses das eleições presidenciais, o cenário é marcado por uma estabilidade evidente: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) polarizam e protagonizam a disputa à Presidência da República. Mais do que isso, analistas e diretores de institutos de pesquisa dizem que nunca antes na história os eleitores chegaram a essa época da corrida eleitoral tão decididos – cerca de 7 a cada 10 pessoas aptas a votarem já escolheram os seus representantes. Embora ao longo do ano o panorama apresente poucas mudanças, os levantamentos mais recentes trazem resultados conflitantes, ainda que concentre a disputa nos dois candidatos: ora a vantagem de Lula beira os 18 pontos percentuais, com chances reais de vitória no primeiro turno, ora a distância para Bolsonaro se limita a 6%, confirmando um segundo turno polarizado – e bastante acirrado. Em outros levantamentos ,ainda, a diferença cai para 5%, com tendência de alta para o atual presidente. Então, resta a dúvida: por que os resultados das pesquisas são tão diferentes? Qual instituto apresenta o resultado mais fiel ou preciso sobre as próximas eleições? Os números são uma antecipação do pleito ou um recorte do momento? Para entender esse universo, a Jovem Pan conversou com três especialistas sobre o assunto. Confira abaixo as principais motivações:

Uma das explicações para os resultados divergentes é o plano amostral, ou seja, o recorte utilizado nas pesquisas eleitorais como referência da sociedade. O cientista político Leonardo Barreto afirma que é indispensável que a amostragem considerada pelos institutos seja “fidedigna na característica da população”, evitando erros de público alvo. “O que determina a qualidade de uma pesquisa é a qualidade da amostra. Se a amostra está bem calculada e o método bem aplicado, em tese, não deveria encontrar diferenças [de resultados]. O que explica, então? O erro, há erro de amostra ou de coleta”, antecipa. Segundo o pesquisador, o problema é que a mais importante base de dados sobre a sociedade brasileira está defasada: o Censo Demográfico. Com a não realização da pesquisa pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2020, os institutos utilizam dados de 2010. Ou seja, ao fazer os cálculos estatísticos para determinar a porcentagem de eleitores por gênero, classe, religião, renda e escolaridade, por exemplo, as atuais pesquisas consideram informações de 12 anos atrás, o que pode causar erros na amostragem e explicar a diferença significativa nos resultados. “Todos dizem que entre evangélicos o Bolsonaro tem uma porcentagem maior. Mas a questão é qual a porcentagem de evangélicos no Brasil hoje? A chance de erro é grande, é maior do que em outras eleições. Uma parte da explicação é essa”, completa Barreto.

O segundo ponto citado pelo cientista político e que pode explicar as divergências é a metodologia. Atualmente, existem três métodos para aplicação das pesquisas: presencial, por telefone ou via redes sociais, sendo os dois primeiros os mais comuns e que apresentam subdivisões. O método presencial pode ser feito em ponto de fluxo, ou seja, os entrevistadores se deslocam para locais onde há grande número de pessoas e conduzem as entrevistas face-a-face. Outro modelo é a entrevista domiciliar, que requer sorteio de residências ou do mapa de ruas em que serão feitas as coletas de dados. Já por telefone, a divisão ocorre da seguinte forma: os cidadão são entrevistados “ao vivo” ou respondem a gravações automatizadas, com perguntas feitas por robôs. Em todos os casos, há particularidades e lacunas que podem refletir nos resultados. A pesquisa por telefone, por exemplo, pode excluir eleitores mais vulneráveis, uma vez que 34,9 milhões de brasileiros não têm acesso à telefonia celular, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Tecnologia da Informação (Pnad TIC) 2019. Além disso, outros fatores podem dificultar a participação da população de classes mais baixas, como menor grau de escolaridade e entendimento dos questionários, menor tempo disponível e até falta de acesso a informações sobre as pesquisas, o que pode aumentar a desconfiança. “A pessoa pode se recusar a atender o telefone. Vamos supor que a totalidade daqueles que se recusaram a participar fossem eleitores do candidato A, por exemplo. Isso vai ter impacto no resultado final da pesquisa. Não quer dizer que não haja recusa no método presencial, mas é um problema menos acentuado”, pontua o cientista político Alberto Carlos Almeida, também professor da Universidade Federal Fluminense. Desta forma, se a maior parte do eleitorado de um dos candidatos se diferencia do grupo de pessoas que participa das pesquisas eleitorais por telefone, o resultado pode ser desfavorável ao presidenciável. O método presencial, por sua vez, também pode apresentar lacunas. Leonardo Barreto menciona que o modelo de coleta em ponto de fluxo, por exemplo, pode não abranger eleitores que estão nas ruas, embora seja um modelo que traz mais confiabilidade. “O Datafolha pode ter um viés porque pega as pessoas que são obrigadas a ir trabalhar, o sorteio de casas pode ser mais difícil porque algumas pessoas não vão poder responder, por telefone pode ter a base desatualizada. Fica quase impossível dizer se tem um método mais certo, vai depender se você tiver uma boa amostra e a correta aplicação da coleta”, argumenta.

O terceiro e último ponto que pode explicar os diferentes resultados nas pesquisas eleitorais são variáveis externas. Leonardo Barreto menciona que durante a aplicação das entrevistas, a ordem das perguntas, por exemplo, pode induzir a resposta dos entrevistados, criando um viés nos resultados. Segundo ele, se o aplicador iniciar a coleta de informações questionando coisas como “Você veio de ônibus hoje?”, “A sua vida tem melhorado ou piorado?” ou “Você tem conseguido fazer suas compras?”, e, posteriormente, perguntar se aprova, ou não, o governo Bolsonaro, é possível que o candidato responda de forma negativa, em razão dos problemas citados nas perguntas anteriores. Ele também menciona que outra variável do cenário político e social que não é considerada pelos institutos é a influência da opinião pública na escolha dos eleitores. “Há uma avaliação negativa em relação ao Bolsonaro, então as pessoas podem estar com vergonha de revelar seu voto. Isso explicaria porque pesquisas pessoais apresentam intenções de voto menores a Bolsonaro do que outras pesquisas por telefone ou feitas por gravação, onde não a pessoa não se expõe, não vê o entrevistador”. Neste mesmo sentido, Paulo Niccoli Ramirez, cientista político da  Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), enumera outras variáveis inerentes às pesquisas que podem impactar nos resultados. Ele lembra que, se a pesquisa é um recorte momentâneo do cenário eleitoral, qualquer influência externa, variação econômica, campanha política, alta dos combustíveis, fake news e até facada, podem “virar o jogo” poucos dias e, por isso, resultados de institutos diferentes não devem ser comparados. “Todas as variáveis acabam produzindo diferenças nas pesquisas. Um exemplo disso foi o que aconteceu com Bolsonaro em 2018. As primeiras pesquisas que saíram indicavam ele com poucos votos, cerca de 5%. Depois que ele levou a facada, e o Lula já preso e descartado do processo eleitoral, deu uma alavancada, então esses fatores também contribuem”, explica o pesquisador, que reforça ser “normal” existirem diferenças. “Tudo [isso ocorre] em função da metodologia. A gente não tem que questionar os resultados, isso é de momento. A campanha eleitoral na TV e rádio não começou ainda. Pela primeira vez desde a redemocratização vamos ter uma disputa de presidentes. O eleitor tem experiência de duas formas de governar distintas e a campanha eleitoral vai ter um peso muito grande nessa memória do eleitor e que vai culminar no voto”, avalia.

O que as pesquisas mostram agora?

Independente dos métodos e das variações dos resultados, os pesquisadores reafirmam que toda pesquisa eleitoral é um retrato momentâneo do cenário eleitoral e não antecipa ou sentencia o resultado das eleições, ainda que em primeiro turno. Recorrendo a uma metáfora, é como se a pesquisa indicasse uma fotografia, enquanto o processo eleitoral, ao final, representará um filme. Alberto Carlos Almeida considera que a pesquisa mais “fiel” quanto aos resultados, é aquela que antecede a data das eleições, uma vez que quanto mais perto, maior a chance de acerto do resultado. Agora, a cerca de dois meses das eleições, ele avalia que os levantamentos mostram o humor do eleitorado e esse, dificilmente, deve mudar.  “A maior parte do eleitorado quer mudança ou continuidade? A maior parte quer mudança, então a pesquisa é capaz de captar isso. Você imagina que vai haver mudança nesse cenário, reta final muita gente se dá conta das eleições, mas esse humor é mais difícil mudar nos próximos meses. Se é de continuidade ou mudança, isso tende a permanecer”, conclui. Com entendimento semelhante, o cientista político Leonardo Barreto acrescenta que as pesquisas atuais mostram as “pré-disposições dos eleitores” e como eles enxergam os candidatos, bem como suas crenças e convicções. “Se nada acontecer até 2 de outubro, é assim que as pesquisas deveriam ser apresentadas, o resultado é esse. Mas alguns eventos podem mudar a direção desse eleitor, são principalmente três: a redução dos combustíveis, o pagamento dos auxílios e a campanha eleitoral. Hoje, o eleitor recebe, por exemplo, uma quantidade ‘X’ de informações de um político. No período eleitoral, ele vai receber 20 vezes ‘X’. Informação pode mudar opinião e voto? Pode, e muda”, pontua o pesquisador, que alerta: ainda que pesquisas não antecipem resultados, elas podem incentivar comportamentos.

“É como uma profecia que se auto realiza. O efeito pode se dar sobre financiadores, empresários, partidos. Se a pesquisa mostra que o Lula vence no primeiro turno, mais empresários vão querer conversar com ele, candidatos a deputados querem ser da chapa, assim como os partidos. Você estimula um comportamento que pode levar a um resultado, isso é bem provável”, finaliza Barreto. Esse aspecto, inclusive, tem norteado boa parte das articulações da campanha do ex-presidente Lula, que aposta no chamado voto útil para liquidar a fatura da eleição presidencial no primeiro turno. É por isso, por exemplo, que os petistas têm tentado atrair – mesmo que não oficialmente – o apoio do maior número possível de candidatos e partidos. Nos últimos dias, o PT selou uma aliança com o deputado federal André Janones (Avante), que soma 2% das intenções de voto no Datafolha mais recente e tem um desempenho avassalador nas redes sociais. Em contrapartida, aliados de Bolsonaro miram no pacote de bondades que começará a ser pago nos próximos dias para, inicialmente, diminuir a rejeição ao presidente da República, somar pontos nas pesquisas e empurrar a disputa para o segundo turno, quando o Planalto jogará todas as fichas no antipetismo como trunfo para eventualmente conquistar um segundo mandato.

Ainda que os resultados apresentem divergências e variáveis, uma vez que cada pesquisa representa o recorte de um momento da sociedade e da vontade do eleitorado, Paulo Niccoli Ramirez defende que é inegável a confiabilidade nos métodos utilizados e destaca: pesquisa eleitoral também é ciência. “A gente sempre vê uma tendência dos políticos de desmerecer as pesquisas. Isso é uma estratégia com objetivo de atrair eleitorado, gerar mais debate na sociedade, mas todo político sabe que essas pesquisas têm viés científico. Existe uma ciência chamada estatística. Negar os resultados é negar um procedimento científico, beira o negacionismo”, destaca o cientista político, que usa como exemplo a produção de vacinas contra a Covid-19 para reforçar: abordagens distintas geram resultados também distintos. “Vimos diferentes laboratórios usando métodos diferentes para chegar em um resultado próximo ou semelhante. A gente vê que nem todas vacinas tem o mesmo índice para gerar imunização, mas não significa que uma é melhor que a outra, elas foram apenas desenvolvidas sob metodologias diferentes”, finaliza.

FONTEterrabrasilnoticias.com
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