Entidades que representam as empresas do setor de limpeza urbana e coleta de resíduos avaliam que o agravamento da inadimplência dos municípios pode levar à interrupção dos serviços em meio à pandemia do novo coronavírus. Em entrevista à Agência Brasil, representantes do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) e da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) apontam que as empresas já lidavam com altos índices de inadimplência e tiveram aumento de custos com a proteção dos trabalhadores.

Segundo o presidente do Selurb, Márcio Matheus, já há cidades advertindo as empresas terceirizadas de que não haverá dinheiro para o pagamento em maio dos serviços prestados em abril. Matheus explica que cerca de 70% dos municípios terceirizaram a limpeza urbana, e são poucos os casos em que foi criada uma fonte específica de arrecadação para sustentá-la. Na grande maioria dos casos, conta ele, o pagamento dos contratos é feito com recursos do orçamento municipal, que neste momento precisa atender à demandas urgentes, como a prevenção de covid-19 e a proteção dos profissionais de saúde.

As empresas do setor, por outro lado, já acumulam R$ 18 bilhões em pagamentos não realizados pelos municípios. A inadimplência gira em torno de 15% a 18%, segundo o Selurb. “Já carregamos uma inadimplência crônica. É uma deficiência estrutural do orçamento municipal”, afirma Matheus, que acrescenta que os custos subiram mais de 10% com o afastamento de trabalhadores dos grupos de risco e compra de equipamentos de proteção individual.

Mesmo as cidades que têm empresas públicas encarregadas pela limpeza urbana podem ter o serviço afetado pela crise, alerta ele, já que essas empresas muitas vezes contratam terceirizadas para parte do manejo dos resíduos, como a destinação final em aterros.

“No mundo inteiro, esse serviço é considerado uma barreira sanitária para evitar a propagação do coronavírus. E não só dele, mas de outras doenças”, afirma. “Estamos antevendo um problema e estamos nos antecipando”.

Sobre o aumento de custos durante a pandemia, o diretor presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho, acrescenta que as empresas de limpeza urbana também passaram a executar serviços de desinfecção de equipamentos e lugares públicos, que não estavam previstos nos contratos. Com esses gastos, ele acredita que a capacidade de as empresas contornarem a falta de pagamentos está no limite. “Na medida do possível, as empresas sempre tentam fazer um escalonamento, mas, no atual estágio, eu diria que, sim, é um risco iminente [a interrupção dos serviços].”

Para dimensionar o peso da inadimplência de R$ 18 bilhões acumulada até o fim de 2019, ele explica que os contratos com os municípios somam R$ 28 bilhões por ano. “É um valor muito relevante, e, como desde o início de ano, tivemos aumento de custos dos serviços, qualquer novo não pagamento, qualquer nova inadimplência vai prejudicar enormemente a própria execução dos serviços.”

O fechamento de estabelecimentos com as medidas de isolamento social também contribui para as dificuldades financeiras, já que muitas empresas também têm clientes no setor privado. A redução na demanda por esses serviços chega a 40%.

Outro fato que preocupa a Abrelpe é a demanda pela coleta de resíduos hospitalares, que caiu 17% na primeira quinzena de abril em relação ao mesmo período do ano anterior. Se considerado o mercado privado, a queda passa de 40%.

“Isso vai na contramão de todas as tendências internacionais, que são de, no momento da pandemia, a geração de lixo hospitalar aumentar”, afirma ele, que conta que a Abrelpe está apurando junto às empresas as causas dessa queda, já que há um aumento no uso de equipamentos de proteção individual e números crescentes de internações. “A queda surpreende e não deveria ser nessa proporção, mesmo considerando o cancelamento de cirurgias eletivas de outros atendimentos emergenciais e outras internações”.

A associação teme que a redução da demanda pode indicar uma deficiência na segregação desses materiais infectantes e sua destinação a locais inadequados, trazendo diversos riscos para os trabalhadores, para o meio ambiente, e da mesma forma, para a população

Ajuda a municípios

Para evitar que os problemas no setor de limpeza urbana se agravem, o sindicato e a associação buscam diálogo com o governo federal e o Congresso para que o pacote de socorro aos municípios inclua a exigência de que as cidades mantenham os serviços de limpeza urbana funcionando. Além disso, as entidades pedem a criação de linha de financiamento automática para os municípios em âmbito federal vinculada ao pagamento desses serviços e a criação de uma linha de crédito voltada para o capital de giro das empresas junto aos bancos públicos.

Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Economia informou que possíveis crises em serviços públicos estaduais e municipais estão sendo endereçados no PLP 149, que está em discussão no Senado Federal e tem previsão de votação para este sábado (2).

“A União propôs a transferência de um auxílio para Estados e Municípios, que tem como objetivo suprir tais emergências trazidas pela pandemia. Cada ente tem sua necessidade específica, uns no sistema de saúde, outros no de transportes, outros no de limpeza. É por isso que boa parte da transferência será de recursos livres, para auxiliar nas necessidades específicas de cada um. Assim, a ajuda da União está sendo construída com o Parlamento através da discussão deste projeto de lei”, respondeu o ministério.

De acordo com a Constituição Federal e legislação vigente, a titularidade do saneamento básico, incluindo as atividades de coleta, manejo e tratamento dos Resíduos Sólidos Urbanos, é local, sendo, portanto, dos municípios e do Distrito Federal.

Os serviços declarados públicos e as atividades essenciais não podem ser paralisados durante as medidas de restrições em decorrência da pandemia da Covid-19. O objetivo primordial da “não” paralisação é impedir a interrupção de atividades e do fornecimento de insumos e materiais necessários à sobrevivência, à saúde, ao abastecimento e à segurança da população.

Sendo assim, as autoridades locais têm autonomia para determinar as condições em que os sistemas deverão operar em seus respectivos territórios.

Com relação às empresas que operam os serviços, ressalta-se a edição da Medida Provisória nº 936 publicada pelo Governo Federal no início do mês de abril, que vai impactar de forma positiva na sobrevivência dessas empresas durante o período de pandemia, uma vez que o custo fixo da folha salarial representa grande parte do valor total de operação.

Além disso, o Ministério do Desenvolvimento Regional verifica, juntamente com outros órgãos federais, possíveis medidas de atendimento e apoio ao setor de resíduos sólidos.

Edição: Pedro Ivo de Oliveira

FONTEAgência Brasil
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